segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Paola



Hoje Paola está morta. Recebi a notícia pela PM, nesta madrugada. Esqueci de fechar o portão da garagem ao guardar o carro, nesse espaço de tempo, Paola saiu para rua. Ninguém em casa percebeu o portão aberto. Muito menos eu, que nunca esqueci o portão aberto, percebi. 

No meio da madrugada, eu estava no quarto traduzindo o Fromentin, resolvi me deitar, o sono enfim havia dado as caras, mal recostei a cabeça no travesseiro, luzes de lanternas bateram na sacada de meu quarto, batidas fortes na porta da sala, um tom de desespero. Desci a passos lentos e rápidos, de forma que aqueles homens que estavam à minha porta não percebessem a minha descida. Escondi-me debaixo da janela. Medo. Percebia somente um desespero por parte deles que se aglutinava ao meu com aquela situação tão inesperada. Eles falavam "é a polícia", mas eu era incapaz de acreditar. Minha mãe, inocente ou simplesmente menos cismada do que eu, com os barulhos, também começou a descer as escadas, bem devagar, com a calma dos 60 anos humanos. Eu dizia-lhe em voz sussurrante: "suba, mãe, suba, é perigoso", e ela desceu, ficou assustada ao me ver em posição de Gregor Samsa entre o sofá e o baú debaixo da janela: "o quê?" - foi até a porta e a abriu. 

A polícia estava preocupada conosco. O portão havia ficado aberto. Pensaram que talvez estivéssemos sofrendo um assalto, que talvez houvesse bandidos em nossa casa. Saímos, minha mãe e eu, para a garagem. Eu queria entender o portão aberto, mas só podia ter sido eu, aliás, fui a última a entrar em casa. Embora houvesse todo o perigo daquele portão aberto, tomou-me uma sensação de alívio: nada acontecera - estávamos sãos e salvos de todo e qualquer perigo possível de uma madrugada em que o portão de sua casa é deixado aberto. 

Olho para a caminha de Paola, não a encontro. Olho para a minha mãe e digo: "a Paola foi pra rua, mãe". Os PMs dizem para entrarmos, que se encontrarem um pequeno cãozinho marrom irão trazê-lo de volta. Eles entram em sua viatura, partem, e eu olho para minha mãe e digo: "a Paola está cega, mãe, deve estar perdida, vou procurá-la". Quando fui trocar meu pijama e pôr algo para ir para a rua, a viatura retornou: "encontramos a cachorrinha... é... ela tá morta... foi atropelada... tá ali, dobrando a esquina". Minha mãe: "aaa          ". Eu: "          ". Um dos policiais: "Vocês querem ir ali?"

Chegamos à conclusão de que o melhor era que eles colocassem a cachorrinha em um saco preto, e não a mostrassem para nós, pois eles haviam dito que durante o atropelamento ela havia perdido a cabeça. Paola foi decapitada como Maria Antonieta, guilhotinada. Atropelada como Roland Barthes. Coisa que pode acontecer a todo ser que vive. Mostraram-nos somente seu corpinho, seu bumbunzinho mesclado de amarelinho e marrom, seu toquinho. Não quiseram nos mostrar o resto. Também não quisermos ver.

Há pouco estava no pedacinho de quintal com terra daqui de casa, cavando. Começou a chover, tive que interromper a tarefa. Logo a chuva cessará e irei terminar esse pedido de desculpa à minha cachorrinha - enterrando-a. 

Ontem, quando cheguei da casa de meu irmão com minha mãe, logo que guardei o carro na garagem, antes de perceber o portão aberto, disse minha mãe: "uma notícia triste; o tio Quito morreu." A minha reação comandada pelo meu consciente freudiano foi olhar firme para ela e simplesmente continuar a fitando. O meu inconsciente (também freudiano, logo inacessível) largou o portão aberto. 

O meu misticismo irônico e oscilante levantou uma hipótese, esta ajuda a amenizar o deslize do ato. Que nessa noite, meu pai, morto no dia 6 de abril de 2011, viera buscar seu irmão, e pensou: "aproveitarei a viagem para levar Paola também".  

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

A gata angorá

Era uma vez uma pequena gata branca angorá acostumada a esperar tudo de bom do próximo. Com o passar do tempo, a gata começou a perceber que nem sempre temos  das pessoas, respostas que correspondam às nossas expectativas.

Ela era bonitinha, mas não tinha muitos atrativos: tinha, antes de tudo, medo de se relacionar com pessoas muito diferentes dela e de meios sociais muito divergentes.

A pequena gata queria encontrar um grande amor, como dita a cultura dos romances narrados e cantados desde que o mundo é mundo, desde que Páris arruinou Tróia por se apaixonar perdidamente por Helena, desde que Emma se suicidou por não amar e ser amada reciprocamente, desde que Iracema morreu sozinha depois de ter se apaixonado e ter tido um filho de um europeu estrangeiro, desde que Pagu, mesmo moça e linda, fora ludibriada pela vida boêmia de Oswald. A história da pequena gata branca angorá bonitinha e bem educada, e inteligente, era uma história já não mais de gata, mas a história de uma mulher recalcada de mágoas por amores e paixões, cheia de infortúnios, nada parecida com novelas de finais felizes, mas sim com a dura realidade romanesca das histórias que realmente representam a vida como ela é.

Passa a inventar coisas para preencher o vazio, como começar a tentar a latir, coisas que gatos não fazem. Encara até a água para poder se livrar de todos os fantasmas que configuram o seu medo. Começa a realizar atividades as quais ela considerava incapaz de fazer.

E a vida se preenche. E a vida segue. E a vida se faz.

Um dia a gata resolve se envolver com um cão. Afinal, ela já aprendera a latir. Diversão. A vida urge ser preenchida com essas atividades de relacionamentos também.

A vida vai correndo, um belo dia o cão a devora e o coração da pobre gata se desfaz em meio a um asfalto duro. Cassandra, esse era o nome da gata, perde-se. Ela já estava madura de outras desventuras amorosas, por que é que agora que já tinha a vida tão preenchida de coisas interessantes, deixara-se se envolver com um cão? Ela não podia acreditar em si própria.

Sossega, chora, senta, deita, levanta, vai até a varanda, se espreguiça, estica suas patinhas e deixa saltarem-se dos dedinhos todas as suas unhas com um ronronar espreguiçado e aliviante: foi triste de novo, mas a vida continua.

E lembra-se de continuar a preencher o não mais vazio da vida e prossegue a encarar mais uma nova aventura romanesca, pois a vida urge ser preenchida com essas atividades de relacionamentos.


quarta-feira, 14 de novembro de 2012

escrever

brincar de poetar é uma forma de mexer com os significados das palavras e tentar explicar o não sei que habita o eu

terça-feira, 13 de novembro de 2012

être

não sou eu, são coisas inventadas para preencher o vazio das derrotas
não sou eu, são desejos disfarçados de meninos maus e valentes
não sou eu, aquele ser das letras impossibilitado de entender o que lê

sou um sopro, porque a única coisa em que acredito é que a vida é um sopro
sou um sopro, porque sou a cada instante um novo disfarce rimando com cada fato-aspecto
sou um sopro, porque a expiração da felicidade e da tristeza se dá a cada fração de segundo

o que sou, uma imitação da vida, embora não seja uma obra literária
o que sou, uma peça de teatro sem diretor, embora tenha colaborações de uns poucos amigos-atores
o que sou, um poema concreto cuja palavra que mais reverbera é cacto bandeiriano

ser: verbo anômalo
ser: ligação de predicados
ser: aspecto que não infere ação

eu não sou ser
eu não sei ser
eu não só sonho ser

o papel que cumpro: continuar a ser
os deveres a que obedeço: continuar a ser
os planos que adio: continuar a ser

- Choro e durmo. Há infelicidade em toda falsidade da felicidade.

sábado, 3 de novembro de 2012

ciclo

o beco é um esgoto sombrio por onde se arrastam os trapos escondidos na memória inapagável. a memória que ao mesmo tempo é inapagável e inacessível. o cheiro não pode ser sentido pelo olfato senão pela imagem grotesca distorcida pelo não reconhecimento. máquina de um algo maior qualquer rasteja-se ignóbil. sorri a fingir-se. não teme. não ama. não sofre. e nesse contínuo segue a temer, amar e sofrer. e nada será feito a não ser que se espere um pulso de hormônios. e nada será mudado até que haja paixão. gozo. adrenalina. vontade. desejo. no agora escorre um grunhido mudo e forte, e alto, e obtuso, e gauche, e grosso, e desvelado. escorre sobre uma escadaria descendente. almeja encontrar o buraco das respostas. serpenteia no imaginário do não real. morre e aviva-se. morre e vem. não morre. permanece escorrendo por minutos horas dias meses anos intermináveis. resposta. ignara. um livro se abre e revela uma alusão a mais. analogias escorrem a escadaria velha de feridas rotas saturadas e charcadas de um charco asco desmedido e cinzento. talvez verde musguento. não negro, porque negro é lindo, tem significado concreto. verde musgo combina melhor. é menos definível. escorre mais. o cair da gosma fétida é um escorregar degrau a degrau lentamente, do primeiro para o segundo, ao chegar no quinto começa a ganhar peso e acelera-se o tombar, e o líquido nojento desce de forma mais e mais pesada. nojento. não dói. maculado. alívio das desgraças em uma única desventura. sofrimento agudo do não saber. a ignorância que traz o conhecimento amálgama à alma um espírito confuso e desordeiro em busca da perfeição da forma que busca o desformar-se. finge-se. come-se. finge-se. sorri-se. finge-se. ama-se. finge-se. abraça-se. finge-se. dorme-se. finge-se. descansa-se. finge-se. ocupa-se. finge-se. conversa-se. e por fim finge-se. chega a massa densa escorregando vagarosamente e torna permeáveis os degraus por meio de seu poder de corrosão. enterra-se. e conclui-se.      

terça-feira, 23 de outubro de 2012

aspirar

A vida é um sopro
E muito fácil é cortar-lhe
O ar
E o oxigênio

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

que será que quer dizer?

Eu não quero acreditar
E também nem quero descrer
Não sei o que é que quer dizer
Não sei o que poder fazer

Eu não quero acreditar
Que as lembranças vão fenecer
Que o conto se desfez
Que foi tudo era uma vez

Eu não quero acreditar
Que a verdade é assim
Se as coisas não vão mudar
E vou ter que ir até o fim

Eu não quero acreditar
A verdade só faz amargar
A solidão assombra a paz
A alegria não satisfaz

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Um dia de reflexão

Dia 11. 11 de setembro. Se torres houvessem caído no meio da África em 2001, talvez hoje não fosse um dia tão lembrado por todos. Porém não estou aqui para escrever sobre o catastrófico 11 de setembro histórico de 2001, mas sobre algumas reflexões sobre o 11 de setembro de 2012.

À parte a tristeza que assola todo ser humano respirante, eis algumas reflexões sobre coisas que gosto de fazer:

escrever
bater papo furado
ficar sozinha
ficar em turma
nadar
correr
pedalar
agora a mais nova:
treinar taekwondo
beber água
tentar andar de skate
brincar com minha sobrinha
dar um selinho na minha mãe
perder tempo no facebook
ler o que não sou obrigada a ler
desenhar
pintar
ir a festas
ouvir música
sentir o silêncio
pegar a estrada
ir à usp
dar aula (quando os alunos estão calados)
ir ao teatro
ir ao circo
ir ao ballet
e amar sem medo

eu consigo fazer tudo isso e reclamo de dias tristes  

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Dia triste

Dia 10. Dia vazio. Desgostos em alta. Em alta também está a vontade de sentir felicidade. Mas a felicidade é sonho. E os sonhos estão guardados. Por um fantasma sem nome. Em um buraco escondido.

O chão não tem firmeza. Chuto para esquecer. O ar não tem leveza. Não voo. A água em que mergulho não faz fluir o sentimento escorregadio e áspero do vazio.

Música. Nenhuma a agradar. Comida. Nenhuma a satisfazer. Sim, hoje é um daqueles dias de fazer de conta que a vida é legal.

Sem desespero. Viverei assim até quem sabe 90 anos. Mas que tédio!

Não há sono, embora queira dormir; Não há choro, embora queira berrar; Não há briga, embora queira bater.

Sou fraco. Sou humano. Condição voltada à merda da insignificância de ter a capacidade de verbalizar esse vazio do espírito.

Sexo: banais.

Amor: não existe.

Pai: morto.

Mãe: ...

Eu: vazio.


quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Eu paro

Os eventos estão acontecendo com um cheio de não querer acontecer. Um vazio cheio de obrigações devora cada oco preenchido de breu que mora dentro do meu eu que desconheço. Paro. Respiro. Sei que não sou livre tão pouco independente, embora vá pra onde eu queira e não sofra ordens extremas, tudo de acordo com o dinheiro que possuo. Paro. Goles de qualquer líquido não são capazes de me acalmar. Paro. Respiro. Cada saída e entrada de ar é tão dolorida quanto o próprio fato de ter que viver. Há uma primazia vaga de eventos sem acontecimentos. Não há nem ansiedade, nem depressão a ser sofrida. O vazio de se sentir é de tamanha insanidade que a razão não consegue verbalizar o que é que significa se sentir vazio. Paro. Leio mais um trecho daquele novo romance daquele escritor consagrado, pesquisador em semiótica, que fala de um personagem bipolar. Nisso me distraio. Paro. Vejo um filme que me remete a um mundo de personagens fictícios de mundos expressamente tão vazios quanto o meu. E descubro sem originalidade que não tenho o privilégio de ter somente eu e mais ninguém o sentimento do vazio. Paro. Não há choro. Paro. Respiro com dificuldade. Paro. Não consigo pensar se amor de verdade é de existir. Paro. E vejo que é inevitável não continuar. Continuam os eventos. E faço eventos. E eles se fazem sem parar, e me obrigam a continuar. E vou continuar a fazer e ser eventos. Paro. Não morro, simplesmente por que não sou capaz.   

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Sofrer de amor

Noite
Seca e sulca a alma
Perda
Pedra presa dentro d'alma
Amor
Flor que flutua n'alma

Padece a alma:
- Sofre de amor não correspondido.

domingo, 29 de julho de 2012

razoável razão

A razão que domina o espírito
o espírito que se deixa jogar
o espírito que se limita
o ser que seja
que foi
fim

e ai!
de pouquinho
em indozinho a passinhos
trôpegos, bêbados de paixão
oriunda de um coração que amou
e que se questionou após o sentir ser

- Cala-te, tolo sentimento ignoto!

sem amor
só o orgulho
só o ego
só o seu
só o meu
em separados
sentem a si
sem o outro

A razão zombou do espírito
em sono dormido e acordado

A razão des-sonhou o desejo
em encontros malogrados

A razão desmistificou o belo
em seres pelo orgulho desmoronados

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Apartamento

A lâmpada acesa de iluminar o breu naquilo que do desconhecido cativa-se do escuro, e naquilo de onde se procura fazer mais e mais sombra de cinzar e ansiar a morte eminente do encontro que ali há.

Pendurada tosca no teto, a lâmpada objeto segreda o breu.
Cala de pouco e pouco um escuro que de tão vazio de sentimento, entorna-se.
E enche-se do nada da solidão.

A lâmpada é tão sem nada. É disfarce. Não precisava estar ali.
Esconderia melhor a amargura do semblante apaixonado.

E a lâmpada tão sem nada, tão pragmática, tão tosca, continua a sua tarefa de iluminar o vazio da escuridão metafórica do apartamento mais o oco dos corpos que não se desejam reciprocamente.

É apenas um apartamento a mais.

Um cenário a mais. Um desdém a mais.
De mais uma noite clichê: a sós com uma taça de vinho seco. 

domingo, 8 de julho de 2012

Desapego

Do sentir raiva nasceu a liberdade, e não havia mais a necessidade de querer o louco, desejar o desvairado, ansiar o incompreendido. Um sentimento de raiva a gritar - raiva por não poder compreender se simplesmente o caso em questão era um caso que era ou um caso que não era. E assim, na indecisão, optou por permanecer como observador. E é fato - todo observador não pode desconsiderar o fato de que o envolvimento é inevitável. E como o caso era de não se saber o nome, o envolvido se viu emaranhado em um turbilhão de sentimentos bizarros.

A raiva grita sem a ajuda do indivíduo: nascimento do desapego da razão.

A raiva gritou e disse chega! E seguiu reverberando liberdade no ser que agora saía, ainda sem resposta sobre o ser ou não ser da coisa, todavia, sabendo que daquilo agora estava desapegado. 

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Clarice e Horácio

É um pequeno relato de como Clarice, de forma idiota, deixou-se apaixonar. Não pretendo relatar a história de como se conheceram, as origens, as coisas gentis, mas como ela percebe sua paixão, como confessou e como descobriu que não era correspondida.

Sentiu falta de Horácio pela primeira vez enquanto estava em casa, a exercer alguma espécie de trabalho ou ócio no seu computador. Nesse ínterim, Horácio aparecera onlinemente e começou a emanar citações de poetas como Shakespeare, e pensadores como Aristóteles. Conversa vai, conversa vem, o papo flui agradavelmente e ele ajuda Clarice a trabalhar com menos tédio, entretendo-se em uma troca agradável de mensagens.

Diante deste cenário é importante esclarecer que Clarice e Horácio já se conheciam de outras datas, de outras circunstâncias, as mais bizarras possíveis, as quais não valem a pena serem narradas.

Deixando-se encantar, e por que não se seduzir por um sonho, digo sonho porque tratava-se de uma ideia não presente no campo da razão, mas oriunda dos ensejos do desejo, começou a construir uma catedral de sentimentos com relação a Horácio. E a partir daí, a coisa mais tosca que ele dissesse parecia sair da boca de Virgílio. E Clarice começou a se portar emocionalmente tão frenética quanto Oscar Wilde diante da grande Atriz Sarah Bernhardt, quando esta chegava a Londres e aquele se derramava descompassadamente à presença da atriz dizendo estar vislumbrado de paixão.

Ela chegou a acreditar que estava a amá-lo. Imagine, Clarice a amar Horácio!

E sim, Clarice comparou-se a Oscar Wilde, e depois de conquistado o contato físico extra amizade, aquele contato que muitos amigos têm e ao qual lhe dão o eufêmico apelido "amizade colorida", certificou-se de que havia gostado do evento e de que daria continuidade à sua história de amor.

E mais, Clarice dividiu o tolo sentimento com alguns raros amigos que também conheciam Horácio. E sincera como era uma amiga de Clarice, Hérmia disse-lhe que obviamente amor ali, se houvesse, seria somente o de irmãos. Nitidamente! Notoriamente! Mas Clarice mesmo assim insistiu em seu conto frustrado de amor, deixando-se acreditar na ideia de que Horácio simplesmente não tinha coragem de se declarar.

Dias se passam, é chegada uma noite, mais uma em que Horácio pede dicas onlinemente a Clarice de como se desvencilhar de mais uma de suas façanhas amorosas fugazes. Atitude esta que evidencia o caráter de amizade da relação. Nesta noite, Clarice já havia ponderado há quanto tempo estava a investir em uma história que não apresentava resultados, tão pouco sessão de semeadura para colheita futura. Resolve então, Clarice, dar voz à razão: ele gosta de você, amiga. E como lhe doeu crer no óbvio - era o que era: somente amiga. Além de amiga, amiga conselheira, amiga que arranja amigas. Unicamente amiga.

Respirou fundo e aceitou o convencimento. As dores que lhe valeram essa paixão não afetaram sua vida prática. Interferiram somente nas horas poucas de ócio, horas estas que eram tomadas de uma tristeza indômita que lhe bania o coração de dentro de si, fazendo oco nas entranhas e gritando em choro mudo a dor mais amarga e vil de um amor não correspondido. E como chorou doído, desabrido, sofrido, e deixou-se pensar no fúnebre e no acaso de nunca mais voltar a amar.

Voltemos para a noite do convencimento do "unicamente amiga". Clarice sente o seu peito em estado de fora do comum, mas nada que não seja domável. Já não chora e nem vê nisso uma situação que peça tal ato. Nem sai à procura de substituto. Muito menos começa a comer desenfreadamente ou a fumar um cigarro a mais. Clarice respira, lê, pensa, e escreve a Horácio o quanto o sentimento "gostar" lhe faz ficar confusa. Não saber se "gostar" é bom ou ruim. E Clarice não se declara. Julga toda a situação tomando uma interpretação julgada inteligente por si diante dos fatos, não crê que seja necessário declarar-se para passar o escárnio da amante não amada. Não. Clarice não se declarou. Apenas manifestou que gostava. Ela julgou melhor não se declarar.

E assim terminou a paixão a um de Clarice por Horácio, que durou a estação de 2 meses entre outono e inverno, uma noite de manifestação física de afeto e várias horas de tortura feminina desbaratadas.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Neblina

Neblina. Algo com que pouco e muito convivo. Símbolo de calmaria, embaçamento da visão, perigo de vida. Vivo o perigo. Entro na neblina. Afogo-me no meu sono duradouro causado pela constante insônia. Não durmo mesmo quando durmo. E nesse não dormir constante procuro a tranquilidade de descobrir aquilo que minha inteligência negligencia alcançar. De tanto intentar uma forma inteligente de pensar, vem o sono às vezes em hora certa. Mas não é o sono o problema, e sim o como saber fazer-se aquietar o espírito. Em tédio de não descobertas, penso na neblina física em que mergulho meu corpo físico. O que vejo é somente o que me mostra quão insignificante sou na condição de ser humano: apenas dez metros adiante. E penso na ganância de meu querer saber, uma vontade ingênua de querer identificar o porquê de estar exatamente aqui ou ali. Respiro embora não perceba. Ao perceber que respiro, percebo uma vida em sistema. Neblina. Do perigo e do baço busco, pois, a forma bela. Embora continue neblina.   

terça-feira, 12 de junho de 2012

A Hidra de Lerna

     Ela, só, nem amazonas era, tinha como dever matar a Hidra de Lerna que morava dentro de sua psiquê. Aos poucos foi vencendo cabeça por cabeça.
     A Hidra de Lerna tem 7 cabeças venenosas, uma delas é imortal. Assim, a mocinha de nossa história tinha como dever ir pondo fim às vidas destas cabeças que o tempo todo faziam vazar um veneno dentro de si.
     Quando deu cabo da primeira cabeça, estava em idade de menina muito jovem. Foi numa tarde de junho qualquer, tomou coragem e com um beijo desmistificou alguns segredos que aquela cabeça trazia a respeito da vida. Ela havia mostrado à Hidra que beijar pecado não era, e o fez. A cabeça, transtornada com a ousadia da garota, caiu no chão e soltou um vapor verde oliva que fedia enxofre. O Vapor fez com que nossa mocinha se apaixonasse em vão, mas como nossa mocinha sabia fazer bom uso de sua astúcia, verificou que tal paixão era fruto do veneno mortífero da cabeça número um da Hidra.
     O caso da segunda cabeça ocorreu de modo inusitado. Nossa mocinha estava há dois meses tentando conhecer as verdades do mundo relacionando sexo e amor. E o fez. E gostou. Como da primeira vez, ao tombar a segunda cabeça, novamente surgiu aquele vapor verde oliva que cheirava enxofre. Nossa mocinha assim, deixou-se tomar por um sentimento de culpa que começou a transtorná-la: havia pecado gravemente! Então nossa mocinha muito ponderou, reencontrou seu espírito aquietando-o e, enfim, viu que aquilo fazia parte do curso natural da vida, e que não havia pecado, apenas dado mais um passo adiante.
     Num dia qualquer, fez tombar a terceira cabeça. Foi em um episódio em que afrontara seu patrão que a explorava. Afrontou-o e não teve medo das consequências, sabia que estava certa e que não deveria subjugar-se ao seu poder. Repete-se o evento. Repetem-se as dores emocionais, e a mocinha põe-se a chorar desempregada, crendo ter feito algo inadmissível. Passadas algumas semanas, tudo está arranjado novamente, pois aos astutos nunca falta trabalho, e percebe que sua culpa infundada era oriunda mais uma vez do vapor de enxofre da terceira cabeça caída.
     E seguem-se os históricos das outras três cabeças derrotadas: a quarta com o grito de independência, indo morar longe de casa, a quinta com o primeiro porre, a sexta com o primeiro casamento.
     Anos e anos se passaram... nossa mocinha já se encontra senhora, na casa dos 30, 40, talvez já 80 anos. Uma anciã. Sábia senhora a tentar fazer entender que uma cabeça sempre restará imortal, a envenenar frequentemente o "eu". Sua cabeça solta constantemente um vapor ainda mais verde, ainda mais fétido de enxofre. Quando se acorda, está ali para desejar "mau dia". E acompanha o "eu" infinitamente, estando acordado ou dormindo. Como vencê-la? Trapaceando-a, talvez, imaginando como nossa mocinha se livrou das outras seis cabeças.
     Livrar-se da sétima cabeça é deveras uma utopia.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Odette descobre a fecundação

     Foi em certo dia errado que talvez deu na ideia do mundo conceber a vida feminina Odette. Dizem em algumas plagas do além do nosso parvo conhecimento que há dias em que Vênus come metaforicamente a Lua exercendo sobre a Terra raios desenfreados de hormônios femininos. Foi num dia como este que o mundo uniu forças para juntar forças diferentes que visavam fecundar o ser Odette. E Odette foi concebida, logo e em tempo hábil, vindo ao mundo como mulher.
     Quando criança acreditava pouco nas fantasias que lhe eram narradas. Não entendia como era filha de sua mãe e de seu pai. Em sua cabeça não se podia formar a imagem de dois seres diferentes, de sexos diferentes, gerar uma terceira vida que possuísse apenas um sexo. Aquilo ficara por muitos e muitos anos em sua cabeça. Metade de sua vida. Aos 10, ela já pensava ter passado sua vida completa se sentindo incapaz de desvendar tal problema. Não podia perguntar às suas amigas porque diziam-lhe que nesta ideia de como viemos ao mundo, querer desvendar tal segredo era cobrir-se por demasiado do mais vil pecado do monstro mais imbuído de demônios que se pode imaginar. Era em sua casa que lhe metiam estas ideias do mundo infernal na cabeça, sendo assim, também não podia, em própria casa, perguntar o que quer que fosse sobre a origem da vida.
     Era uma tarde de sol de um sábado qualquer da infância de Odette, ela devia ter algo entre 11 e 12 anos. A menina, deitada na relva, começou a perceber seu corpo em contato com a ponta de cada fio de grama. A petite mademoiselle deixou-se cair no deleite de sensação tão prazerosa e tão fácil de ser conquistada. Sentia entrepassar a renda de seu vestido cada espeto fálico da grama. O que sentia era um fio de corrente de sopro de ar tão difícil de descrever! Apenas sentia aquilo que a subia pela região logo acima de suas nádegas, espalhava-se de forma floral pelas costas e explodia na região da nuca, resultando em que todos os pelos minúsculos de seu corpo se arrepiassem como se quisessem fugir do fervido de calor do pequeno e feminino delicado ser.
     Odette não descobrira o mistério da vida, mas acabara de encontrar um jeito fácil de dar prazer a si própria.
     Passando o evento das gramas pontudas, outra coisa marcaria a vida de Odette: o dia em que pode presenciar sua mãe e a criada mexilhando uma na outra. A cena a que assistira havia se passado no quarto de sua mãe, um ambiente claro, bem iluminado e bem arejado, em tom de gelo, com cortinas beges bordadas com florezinhas douradas e azuis. As cortinas eram de uma leveza cândida e voavam quase livres com o vento que vinha do quintal e invadia o quarto onde se tocavam as excitadas amantes. A criada estava completamente nua e a mãe de Odette a beijava na vulva como quem chupa deliciosamente a mais doce e madura manga. Odette passava pelo corredor do quarto de sua mãe em hora inoportuna. Era para estar a receber lições de inglês, mas o professor mandara avisar que havia ficado muito doente das pernas e que por conta disso resolvera ficar em casa à espera de um médico que lhe pudesse receitar algo para melhorar. Odette esperava seu professor em sua sala de estudos, quando um rapaz chegou junto ao portão de sua casa para lhe trazer o recado sobre as pernas doentes de seu preceptor. Preocupada, Odette que teria duas horas seguidas de aula foi correndo procurar sua mãe para lhe informar a notícia. Como não a encontrara na sala de leitura, deduziu que talvez tivesse ido para o quarto. Enfim, chegamos à cena já conhecida: o beijo incandescente que sua mãe dava na vulva de sua criada. A mãe de Odette ainda estava vestida. A criada parecia, ora se sentir no mais puro momento de satisfação, ora mergulhada numa calma esplendente, que fazia parecer a quem estava de fora do contato físico do casal de amantes, uma calma de quem já estava habituada a receber os dados beijos.
     Odette fica quieta, não se manifesta, apenas permanece assistindo. A mãe da garota pausa os beijos e começa a correr a língua pela barriga da criada. Vai subindo até chegar na região dos mamilos. Com uma das mãos agrada um peito. Ao outro peito oferece beijos que não são beijos, são entrega à paixão carnal da mais linda espécie imaginável entre a humanidade. E as duas amantes eram de uma beleza singular. Corpos não perfeitos, mas nem gordos e nem magros. Peitos nem grandes nem pequenos. Suas cores eram de um leite roseado muito parecidos. Quando a mãe de Odette entrelaçou um de seus braços ao pescoço da criada e foi lhe beijar os lábios, os corpos se igualaram em posição formando uma escultura que fez reverberar na jovem menina que ali estava a ver tudo, a mesma sensação que sentia toda vez em que se deitava na grama a sentir as pontas fálicas e verdes a lhe cutucar coxas, nádegas e costas.
     Uma sensação.
     Uma lembrança.
   Naquele instante os olhos de Odette se encheram de lágrimas e um sentimento ébrio de um quê de felicidade tomou conta de sua cabecinha de aprendiz de ser humano: naquele momento descobriu por que somente as mulheres ficavam grávidas e tão mais juntas de seus filhos. Era por que somente mulheres podiam gerar, pois eram duas mulheres juntas que davam origem a uma terceira vida.

terça-feira, 29 de maio de 2012

conclusões?

É mais fácil pra quem tem família bem estruturada;
É mais fácil pra quem não precisa trabalhar para bancar seus próprios estudos;
É mais fácil pra quem tem apoio;

É mais complicado fazer tudo só: aprender a se virar, a se relacionar, a brigar, a sonhar...
É mais complicado quando ninguém das pessoas a que você mais ama não acredita em seus sonhos.

Vou-me assim então de que de um jeito gauche.

Como estou cansada!
-E todos temos conflitos, na riqueza ou na pobreza, pois humanos nascemos.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

boas vindas a mim mesma aos 28

Hoje faço anos.
28.
São já 28 anos.
Ainda apenas 28 anos.
Retinas fatigadas.
Curiosas retinas.
O passado tem fantasmas.
O futuro tem sedução.
No presente sinto-me viva.
O passado carrega minhas ricas histórias.
O futuro anseia a realização de meus delírios.
Hoje tento arrumar os tropeços e arranjar uma forma de conseguir,
- de alguma forma -
melhorar o hoje que será o agora do manhã.

- Não... não quero! - como perco tempo tentando resolver o agora do amanhã!

Ah... as contas e o salário infame me irritam.
Ah... o amor frustrado me irrita.
Ah... os livros infinitos, eles me chamam...

E por aqui as coisas são não tão fáceis.
Viver é fato constatado perigoso.
Alta periculosidade é a vida.
Se não a domina,
ela engole
e mata.

28.
Ainda 28.
Já 28.

Evoé!

Viver é o dia.
Hoje é assim.
E hoje é assim.
Porque hoje é assim.
Então, que hoje seja assim.

domingo, 29 de abril de 2012

B 508

Ontem foi um dia à parte. Enfim um dia em que um ciclo de 7 anos se encerrou. O fim do B 508.

Ainda gostaria muito de escrever artisticamente sobre o B 508. Mas haja tempo e trabalho artístico mais reverberação do inconsciente e da memória involuntária.

Escrevo um pouco do que foi para mim o B 508, mas só um pouco. Bem pouco mesmo.

Pelo B 508 passaram muitas pessoas, muitos desejos, muitas loucuras, muitos misticismos, muitos entorpecentes de vários mundos, muitos amores, muitos dissabores, muitos muitos recheados de uma diversidade anômala tão normal para o meu mudo. Se pudesse eternizar o presente, jamais sairia do comodismo da vida que tive enquanto pude viver B 508.

2006: chego ao B 508. No dia em que chego, Sete, o gato preto que já morava lá antes de mim, cai do 5° andar.  Fica meses engessado, sobrevive, e em 2008, vai embora com seu casal de donos, Ricardo e Luiz.

2007: colo em uma das paredes de meu quarto várias conjugações de verbos em francês e declinações em latim.

2008: vou para Portugal, para Coimbra, encaixoto minhas coisas e durante 6 meses quem fica em minha vaga é Asuka, de Quioto, Japão.

2009: volto de Portugal. Cansada da graduação, começo a dar aulas de gramática em um cursinho e enfio na minha cabeça que preciso sair do Crusp, afinal, em 2010 termino a faculdade.

2010: ano da formatura. Formo-me, enfim. Comemoro meu diploma no Mc Donalds. Mas comemoro-o ainda mais por ter conseguido escrever um "projetinho" de mestrado. Não quero me afastar da universidade. Assim é como significo essa minha passagem por esse mundo insano chamado vida.

2011: à toa, nem tanto, resolvo sair do Crusp. Em março. Em abril, a surpresa, morte repentina de meu pai. Confusão. Uma morte causa muita confusão. Adiei meus planos, e devido a problemas escusos, acabei voltando no último mês de 2011 para Sorocaba.

2012: começo a trabalhar em Itapetininga. Mas quero estar em São Paulo. Não em São Paulo, mas na universidade. Relação de amor e ódio. Volto a me hospedar no Crusp - B 508 somente às sextas. Adriana me acolhe! - Atritos. Não com ela, é claro, mas com os novos habitantes B 508. E B 508 já não é o mesmo B 508. Adriana muda-se, eu a ajudo na mudança, e diferente das outras vezes em que saí de B 508, dessa vez vi que foi a última, vi que não voltarei nunca mais àquele apartamento.

Que tudo de estranho que por lá passei, que lá se enterre! Que boas energias nasçam!

Acredito que em breve voltarei a morar no Crusp. Mas o B 508 é passado, assim como toda energia de trevas que ali se plantou.

2012: o ano do fim do mundo.

2012: para mim, fim de mais um setênio. Daqui 10 dias farei 28 anos e saio desse ciclo. Evoé!

terça-feira, 24 de abril de 2012

o painel branco de meu relógio de pulso

o redondo branco do relógio vinha ultimamente me mostrando com efeito tal de fazer questão que mais e mais ele - o tempo - tenta escorregar a minha vida de cinco em cinco minutos, do 1 ao 12, um total de vinte e quatro voltas de 60 minutos.

assustada pela atrocidade do visor de meu relógio de pulso, que tinha um olhar mais penetrante do que um bruxo medieval ou uma cigana espanhola, tentei-me a encará-lo de maneira a enfrentá-lo, e assim parecia estar começando a vencer a batalha.

o painel branco do relógio pareceu ficar mais e mais branco. Quando dei por mim, já era um dos ponteiros, ou estava presa aos ponteiros. sei que já não me amedrontava com o olhar do painel deste meu relógio de pulso. sei somente que agora, tudo ao meu redor era branco, os números gigantes, e eu girava de sessenta em sessenta segundos. não era mais a sua dona. mas ele também não podia mais me encarar.

agora vivia dentro do relógio.

seria o atual momento a fúria do relógio contra mim, ou seria ainda eu quem tomara conta do tempo aprisionado pelo relógio, invadindo seu território, e nele fazendo-me tornar rainha?

o redondo branco me cerca. os números me cercam. estou pisando no branco do relógio. estou convivendo de igual para igual com seus 12 números estampados.

meu coração agora bate e soa um som parecido ao do motor do relógio. e ambos não são clichês, sendo incapazes de emitir som de tic tac ou tum tum. desconheço o seu som.

torno-me assim cidadã do tempo.  

sábado, 21 de abril de 2012

Fim de festa

Sexta-feira. Ela já inicia cansada as suas atividades e pensa em coisas diferentes para fazer além das obrigações. À tarde, faz uma coisinha ou outra, tira um cochilo de 30 minutos, vai fazer uma visita relâmpago que lhe dá na telha, sai correndo, e à noite, chega com 30 minutos de atraso na aula.

Sai da aula.

Pega o carro.

Vai à casa da amiga.

Faz maquiagem.

Vai pra uma festa estranha com gente esquisita na universidade.

Pergunta-se desde que se levantou se está fazendo a coisa certa.

Bebe cerveja. Bebe cerveja. Bebe cerveja.

Fuma.

Bebe Selvagem.

Fuma.

Dispensa a vodka.

Fuma.

Começa a se sentir fora do normal mais do além.

Come um cachorro quente.

Começa a chover.

Fica em sopa.

Encontros e desencontros, quer somente fugir.

Meninos do francês, do árabe, mexicanos, politrecos, metodiatas, filhos da PUC, barbudos da FFLCH...

Foge, foge, foge, e resta-lhe chorar com espectador.

Chega à casa da amiga.

Toma uma ducha.

Quer ficar sozinha.

Quer ficar sozinha.

Quer ficar sozinha.

Quer ficar sozinha.

Quer ficar sozinha.

Quer.

Sozinha.

Quer sozinha.

Quer ficar.

Sozinha quer.

Ficar quer.

Sozinha.

terça-feira, 17 de abril de 2012

conversas com duas amigas e considerações sobre texto de Arnaldo Jabor sobre relacionamentos


Enfim, D. & K., 

Eu não gosto do pathos de Jabor. Mas enfim, talvez não goste de seu discurso "curto e grosso" que tenta fazer graça da desgraça. 

De qualquer forma, o que mais me chama a atenção, fora os clichês de seu texto, é:


Tem gente que pula de um romance para o outro.
Que medo é este de se ver só, na sua própria companhia?
Gostar dói. 

Acredito que eu precise desse momento de saber viver só. Como toda leitura implica uma subjetividade super mega particular, é inevitável que eu tome como norteamento de sentido o que acho que melhor se encaixa às minhas necessidades. De qualquer forma, não estou fechada para balanço, o que quero dizer, é que sou uma romântica-promíscua, mais romântica que promíscua. Mas se eu gosto do cara, daí fodeu: me apaixono. E isso não acontece com todos, é óbvio. E a merda é essa, não ter medo de se apaixonar. E quando há paixão, a razão é um adereço que ficamos tentando resgatar com negativas e com adivinhações ansiosas a respeito do objeto por quem se cria o afeto. É praticamente a libido freudiana. Rs. 

Outra máxima do texto para mim é a seguinte:


Nascemos sós. Morremos sós.
Nosso pensamento é nosso, não é compartilhado. 

Assim sendo, que fiquemos em companhia somente de quem faça bem para nós. Começou a dar merda, é porque não é para o nosso bem. Logo: bingo! pessoa errada para compartilhar ideias, desejos e amor. 

A última máxima, para fechar com chave de ouro:


A pior coisa é gente que tem medo de se envolver.
Se alguém vier com este papo, corra, afinal você não é terapeuta. 

Assim, quando alguém falar isso, cobre pelo menos R$ 100,00 a sessão, que é o preço de um psicólogo mais barato, mas há até aqueles que chegam a cobrar a exorbitância de R$ 2.000,00 por uma consulta, para ouvir todas as dúvidas que um indivíduo carrega consigo. Principalmente a célebre "eu não sei se amo..." 

No demais, vou morrer com dúvidas, então, tento acalmar meu espírito. Levo ele para passear em um boteco, em uma balada, em uma igreja, em uma roda de amigos, em um livro, em um filme... encho-me de referenciais e tento me livrar da ideia absurda de que há alguém no mundo para ser "o amendoim da minha paçoca". 

Beijos, queridas!

segunda-feira, 16 de abril de 2012

inferno astral

Eu sou, não completamente, entretanto bastante cética, mas tendo a acreditar em forças físicas naturais, como a relação entre a lua, a maré e a pesca. Levando isso em consideração, quem sabe haja mesmo inferno astral? Pois bem, digo isso porque em breve farei aniversário. 28 anos.

Atualmente o caos está instaurado. Mas se analisar bem, ele sempre esteve instaurado desde o início. Mas agora, a "adultidade" faz as coias mostrarem simplesmente que "viver custa". Custa estômago, custa responsabilidade, custa sono, custa dinheiro, custa tempo, custa pele macia, custa baladinhas perdidas, custa tardes com os amigos, custa irmãos, mãe e pai, custa a vista, custa o sonho... viver custa.

De tudo, tiro de tudo tudo que está a desagradar.

Ah... E tento ver o sol e nele chamar mais boas doses de esperança. E dessa dose, tento contrair também grandes doses de energia... pois como viver custa, se não renovo o estoque, tudo vira trapo.

No demais, imagino que as coisas poderiam estar piores. Mas enfim, a minha vida é esta. Vim para este vasto vasto vasto vasto mundo e se não correr atrás do que realmente quero, o amanhã ficará com remorsos do não tentei, do tive medo, ou do simplesmente, deixei tudo como estava.

Voilà, o inferno astral está me tirando do eixo são. Que chegue logo, pois, o 10 de maio e seus 28 anos de planeta Terra.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Por que não gosto de relacionamentos virtuais

Lá abaixo, resposta dada a uma amiga que me enviou um link com um texto sobre um estudo a respeito dos relacionamentos virtuais

Ela ressalta o seguinte trecho:

"Relações amorosas na contemporaneidade e indícios do colapso do amor romântico (solidão cibernética?)

(...)

O consumismo, decorrente do impacto da cultura narcisista, reforça a valorização excessiva do corpo e seus estereótipos veiculados pela mídia; a necessidade de aquisição de bens para complementar a fantasia narcísica e o uso de drogas, lícitas e ilícitas, para fugir do stress cotidiano, problemas de comunicação interpessoal (como as pessoas estão 'ensimesmadas', têm dificuldades de falar de si e se fazer compreender pelo outro), problemas financeiros e até suportar a própria solidão. Em decorrência de tudo isso, as relações afetivo-amorosas passam a ser fugazes e, mesmo que mantidas, somente enquanto for conveniente para ambos, girando em torno de momentos de conjugalidade e individualidade, prevalecendo à busca do incremento profissional pessoal, o que a fidelidade sexual ou a não exclusividade podem ser opções dos membros da relação.

Neste sentido, a promessa do amor romântico seria falha porque não abarca todos os pré-requisitos característicos e parece-nos não acompanhar as transformações dos novos modelos de comunicação e de relacionamento pela volubilidade, superflexibilização características. Em termos da relação cibernética, o que parece atrair os indivíduos é justamente a possibilidade de criar uma realidade imaginária. Em termos psicológicos, a sala de chat pode ser considerada como uma sala de espelho onde o usuário expressa aquilo que ele expressaria para si, ou seja, ele fala para o outro, mas psicologicamente fala para si, principalmente se não houver evidência física desse outro e se este for um desconhecido. Isso reforçaria a expressão progressiva de conteúdos privados, na perspectiva de salvaguardar sua auto-imagem. No fundo, a relação virtual (amorosa ou não) parece manter uma solidão intrínseca, do sujeito para si, quando ele se projeta naquilo que crê ser agradável para outro, mas que na verdade parece esar mais voltado para si, demonstrando uma alienação de si que, embora evidencie o seu próprio eu, não permite uma entrega autêntica ao outro."

Eu lhe respondo:

Pelos chats o indivíduo se relaciona, antes da comunicação, com sua escritura... a manifestação não é automática como na fala, o indivíduo tem tempo de se colocar diante de seu ato de enunciação, ou seja, produz enunciados carregados de significações que visam a construção de um sujeito, e esse sujeito é o "outro eu" criado pelo indivíduo que escreve. Assim, a escrita é um outro meio de relacionamento: são sujeitos construídos que se relacionam... vide os romances epistolares que conhecemos, como em "Emile et Sophie", de Rousseau e "As ligações perigosas" de Choderlos de Laclos. Cria-se uma atmosfera literária e romântica para uma situação por meio da escrita. Parece absurdo, ou coisa de quem faz letras, mas é verdade. rs.

Mais sobre a pesquisa em Revista Mal Estar e Subjetividade

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Sorocaba, 02 de abril de 2012

     De resto do choro, ficam as palavras de saudade. Nesta semana faz um ano que meu pai morreu.
     Nesta semana, meu eu queria vê-lo. Que fosse em sonho, que fosse um espectro. Meu eu queria vê-lo.
     Lembro-me da última vez que o vi. Dei-lhe duas camisas e um joguinho com três cuecas. Ele tinha me pedido para trazer. Já faz mais de um ano que lhe dei um último abraço e disse-lhe "amo você, pai!". Seu sorriso de desdém manhoso está no eterno de minha lembrança. Seu tamanho pequenino, seus discursos embriagados, suas piadas, todas as coisas boas que cravam essa saudade nessa semana doída por sua ausência. Ele podia estar aqui com sua chatice reclamona, mas eu não sei o que foi dele depois do dia 6 de abril de 2011. Eu queria ir visitá-lo onde ele está. Eu queria poder senti-lo, queria não poder sentir essa tristeza. Queria poder perder o medo de ficar só... medo que não sai. Medo de que ele convide minha mãe para junto de si... medo que não sai.
     Hoje, se ele ainda estivesse aqui, estaria com sua chatice reclamona, mas estaria aqui. Perdê-lo foi perder 50% do que eu era. Metamorfose da morte. A vida é um sopro e a morte uma constante. A vida passa em milésimos de segundos, a morte é um registro perene. A morte fica. Os olhinhos cansados da vida de meu pai descansaram. Onde será que ele está? Será que ele renasceu? Será que ele ressuscitou? Será que ao pó simplesmente voltou?
     Saudade do que me tiraram. Dão-me a vida e a tiram de mim aos poucos: primeiro alguns amigos, depois meu pai, depois outros amigos.
     Eu queria escrever um texto de alegria, porque quero acreditar que o meu pai está no lugar que ele mais amava estar: perto do mar. Com sol ou com chuva, mas perto do mar. Quero que ele esteja com o seu violão, cantando com sua voz linda, contando piada, fazendo as pessoas ao seu redor sorrirem. Quero vê-lo feliz, como muitas vezes vi.
     Se nascer dói, não me lembro. Se morrer doerá, não o sei.
     Nascer e morrer: a vida é um sopro de dias, de meses ou de anos. Quantos, não os sei.
     Todos os dias permito-me nascer e morrer. Não sinto dor. São falsos então estes meus atos de nascer e morrer?
     Paizinho, quero deixá-lo descansando em paz, mas meu eu questionador meio cético meio pseudocristão leva-me à tormenta de um estado de espírito que não sossega - vai e vem, vai e vem, vai e vem. Egoísmo de minha parte, queria que viesse me contar tudo sobre tudo. Se não vem, começo a crer que tudo é orgânico pó.
     Saudade. Resumo do vazio. Motivo do choro. Desejo da reclusa. Eminência do ceticismo.
     Paizinho, a única coisa que me resta é continuar vivendo. Não sei se um dia vou reencontrá-lo, queria muito que esse reencontro fosse fato certo, evento verídico. Ninguém, nenhuma literatura ou ciência pode me assegurar. O ser humano é mau, quando menos mau, é louco, e eu, cética, má e louca - ser humano eu - e sou boa - o que me traz esperança do incógnito. Acredito somente no meu amor - este amor que chora saudade.
     Paizinho, já que é quase Páscoa, conforme algumas literaturas, meu amor deseja que vire um anjinho, ou uma estrela, e que passe a divertir os seres humanos com espíritos perdidos em intrínsecos questionamentos.
     Paizinho, enquanto eu viver, sentirei saudades.

terça-feira, 27 de março de 2012

Despedida em soneto torto

Vai ver hoje em alto e diferente mar ventar;
Arrumarei o meu armário sem arrumar;
Agora eu em outro no longe distante lugar;
Em viajar no meu fechado idioleto de ar.

Despi-me de ti, sim despi-me, pois;
E completamente nua de teu falso sorriso:
Posso fazer um voltei a dançar de depois;
- Dos laços não libertos eu antes deles te aviso!

O que fora dado a mim de má vontade;
Retruco agora com meu grito de soltura;
Lambendo meus eus sedentos por igualdade.

E quero que fujas cego sem Tirésias eternamente;
Do meu sorriso que a ti nunca mais poder verá;
- Sufoques, e que, sufoques... termine no Tártaro quente! 

domingo, 25 de março de 2012

Ansiedade, Tristeza, Espírito e Conclusão

Quando a incerteza do sentimento passa da ansiedade para a constatação, ou o indivíduo se permite curar e passa a viver bem, ou permite que o sentimento de tristeza outrora eminente agora se manifeste e tome conta da parte física, começando pela melancolia, passeando pelo choro e, em últimas consequências, levando a atos de lesão ao próprio corpo endógenas e exógenas.

A cura é algo que deve ser cultivado. Deixado de lado o cultivo, volta a instabilidade a se manifestar. Com a instabilidade dos sentimentos, o indivíduo torna permissiva a manifestação da "ex-curada" ansiedade. Assim, a ansiedade retorna devido à instabilidade do espírito (o de Hegel) que busca rotatoriamente o retorno da estabilidade, ou seja, o retorno a si, o retorno em si.

O retorno em si, ou seja, a estabilidade do espírito, pode ser ligado a uma ideia de que o espírito é capaz de encontrar estabilidade a partir do momento em que para de se questionar. Para que haja essa cessão de questionamentos, ou o indivíduo terá de abandonar as suas dúvidas, ou resolvê-las. Como a subjetividade das dúvidas é muito alta, a maior parte dos indivíduos parece optar por deixá-las à parte, acessando-as de tempos em tempos, a fim de tentar resolvê-las mais tarde em busca da "calma" e "final de buscas" do espírito. Pois abandoná-las ou resolvê-las é impossível. Os indivíduos que não conseguem deixar essa inquietação à parte têm a grande probabilidade de desenvolver estados de ansiedade e quadros de tristeza.

Entendendo o espírito como manifestações de dúvidas diversas do indivíduo, chega-se à conclusão de que o jeito mais simples de lidar  com os questionamentos humanos sem auto-agressão, física ou psicológica, é escrever um poema e depois sair dar uma volta de bicicleta. Se possível, cair no mar e se lavar. Viver é uma coisa doce para quem permite.







segunda-feira, 12 de março de 2012

Por que Proust

Explicar a arte por meio de palavras, explicar a vida por meio da arte. A obra literária de Proust é uma demonstração do trabalho do escritor em transmitir por um romance a sinestesia do "amante" das artes e do "observador" do significado real da vida. É um trabalho que transmite pela leitura a imagem de uma cena teatral, a imagem de um telejornal, os sons, os odores, os sabores, tudo escrito de maneira engenhosa e artisticamente cuidadosa, uma leitura que penetra todos os cinco sentidos do leitor.

Ler uma cena Proustiana é permitir-se acessar o desconhecido de nosso inconsciente. É deixar-se fazer resgatar sentimentos sobre os quais nunca depositamos a nossa atenção. Ler a cena em que o herói "ouve" a grande Berma é permitir-se passar pelo herói e permitir-se também, deixar-se tomar pelas suas sensações. É como se também tivéssemos, assim como o herói, tido a oportunidade de ouvir Berma interpretando Fedra.

Os dissabores em ouvi-la, comparados às experiências do narrador, que não é uma criança, mas um "eu" que fala de sua experiência no teatro quando era um adolescente, é um convite para uma reflexão sobre "aquilo que se espera" e "aquilo que se tem". Logo, a decepção do herói com relação a Berma é frustração porque o que ele espera é diferente do que ele imaginara. Não é questão da cena ser ruim ou boa: simplesmente é uma questão de frustração. A literatura de Proust, assim, é um convite ao mundo do "eu" aprofundado nas mais intrínsecas particularidades do universo do indivíduo.   

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

esperança espera

O que é que se espera em esperar senão um sorriso do dia e um abraço da noite e o desejo do aconchego?
Sorri o riso que ri
Sem senha
Sonho-o, assim
Sorri a mim
Sempre em sentir
Suor de amor
Suor em flor
Sulco de esplendor
Silvo em rara cor
Sutilmente a sentir o
Sorrir
Sim em sim
O que é que se espera em esperar - pois um sorriso do dia e um abraço da noite e o desejo do aconchego.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Poema de tarde de domingo

escrito em algum domingo de 2011

A tarde de domingo pode ser denominada como uma tentativa de descoberta do homem, e o que ele é e significa, acerca do mundo.
Chove gostoso.
Um filme na TV.
Pensamentos planos para o Mestrado.
E em qual maneira meu eu futuro -
Se sentir bem...
A descoberta é desvendada.
E o que descubro é que eu simplesmente quero passar a minha vida inteira descobrindo.
Descobrir faz parte de mim.
Então.
Encontro-me.
Respiro. Penso. Aspiro e aspiro à
 - Coisa tão incognitável é a vida! 

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Navegar é preciso

Encontro esconderijo dos loucos que me perseguem dentro da minha loucura que camuflo com mais doses de loucura e cobertura de máscaras sociais.

Danço esguia e com o sorriso em estampa de flores ao sol, meus sonhos malogrados escondem-se nas pétalas, querem desgarrar-se da realidade vil e lançar-se à sorte da brisa pandoresca.

Reflito o meu reflexo que reluz em uma bacia dourada, cravejada de diamantes oferecidos por um mundo turvo de cinzas de escapamentos de carros zeros e almas vazias.

Canto muda o meu canto, leio cega meus versos, corro amarrada atrás de meu sonho, choro sorrindo minhas dores.

Vivo apenas - é preciso que se navegue: o mar pode pegar.

Navego sem velejar, nado sem braços, não afundo, ainda resta-me o saber boiar.

Eis que do boiar surge a paz do silêncio - então o ouço:

O silêncio diz:

"arribe"
"corra"
"bata os braços"
"bata as pernas"

O silêncio grita:

"seu pai"
"sua mãe"
"suas sobrinhas"
"seus irmãos"
"seus amigos"

O silêncio implora:

"você"

Boio... descanso... nado... levanto, corro, sorrio - vivo!

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Castelos e Catedrais

Ao meu amigo Felipe
escrito em 2012, mas sobre os anos de 2006 a 2010, São Paulo

Os meus castelos são sobrados;
As minhas catedrais são capelas;
Minha gata, preta SRD;
Meu estudo, público;
Meu carro, público;
Meu dentista, público;
Minha natação, pública;
Minha refeição, púbica;
Minha morada; pública.

Por quê:
Os meus castelos são sobrados;
As minhas catedrais são capelas.

Do privado tenho tive tivera teria terei tinha:
O patrão.
Ora maldito;
Às vezes, muito raramente:
Bem dito.
Oba, Ora, senhorio, não, senhora.

O meu sobrado me basta!
A minha capela me basta!

- Só queria um novelo de lã de verdade,
que não desfiasse à primeira
unhada de felina gata.

domingo, 29 de janeiro de 2012

Pourquoi ?


Hoje, noite de domingo. Assisti a dois filmes. E vi, mais uma vez, os bons corações em conflito com os maus corações. Dependendo de quem é o poder e de quem é a sorte, vencerá o bom ou o mau.

Antes de ver estes filmes, vi cenas reais, e vivi-as por assim dizer. Fui testemunha, fui personagem, fui protagonista, fui coadjuvante. Fui e não estou no passando, costuro meu presente com remendos de alegria como embalagem.

O que crio está bem longe de ser um mundo de comercial de margarina, ou de um algorítmo positivista, tão pouco me lanço a um niilismo ilimitado e escuro. Vivo da melhor maneira possível. Penso que consigo. Sou boa e não me canso de sê-la. Ferro-me com isso, e para não me ferrar de vez, às vezes, pelo infelizmente de certas coisas, acabo por ter de me tornar um ser de atitude maquiavélica, não má... pois má não o sei ser... apenas busco nas poucas ferramentas oferecidas pela justiça um meio político de torná-las úteis a esta mulher recém, refém do amor e da maldade do homem.

Noite só e desacostumada de domingo. Dois filmes só. Almoço e jantar só. Regressa a minha cidade, lugar onde não imaginava estar agora. Queria estar a olhar o mar, ainda. Talvez, quem sabe um dia, eu vá embora para o mar. Ao invés de Sampa, Rio ou Bahia. Depois do doutorado, decido, pois... quem sabe o Mediterrâneo, quem sabe o Tejo em foz com o Atlântico, quem sabe o interior por definitivo.

Meus machucados doem às vezes. Hoje eles doeram porque permiti que lembranças boas viessem à tona e a saudade machuca, quando não queremos senti-la. E saber que coisas não boas desequacionam minhas memórias, faz com que o desejo de que sejam apagadas certas lembranças alvorocem-se dentro do meu estômago, e doem minhas costelas e garganta.

Meus olhos cheios de lágrimas clamam alegria e tristeza: eis um novo ciclo. Eis um nascer novamente. E os planos, por mais que ainda continuem, por mais que não tenham sido esquecidos, foram todos cambiados pelas atitudes dos outros.

Não me livro de minha culpa pela permissão que dei aos acontecimentos. A força minha foi até onde a inteligência a pode acompanhar, e esta última disse-me: volte e seja feliz de verdade. Então voltei.

Teimosia taurina, você perdeu.

Sorocaba, por enquanto, você ganhou.

São Paulo, você agora é duas vezes em sete.

Paris, logo logo compro minhas passagens de férias.

"Mundo mundo vasto mundo,

se eu me chamasse Raimundo

seria uma rima, não seria uma solução."

Então continuo Monica Messias

E como o início:

Uma mulher caminha.