Era uma vez uma pequena gata branca angorá acostumada a esperar tudo de bom do próximo. Com o passar do tempo, a gata começou a perceber que nem sempre temos das pessoas, respostas que correspondam às nossas expectativas.
Ela era bonitinha, mas não tinha muitos atrativos: tinha, antes de tudo, medo de se relacionar com pessoas muito diferentes dela e de meios sociais muito divergentes.
A pequena gata queria encontrar um grande amor, como dita a cultura dos romances narrados e cantados desde que o mundo é mundo, desde que Páris arruinou Tróia por se apaixonar perdidamente por Helena, desde que Emma se suicidou por não amar e ser amada reciprocamente, desde que Iracema morreu sozinha depois de ter se apaixonado e ter tido um filho de um europeu estrangeiro, desde que Pagu, mesmo moça e linda, fora ludibriada pela vida boêmia de Oswald. A história da pequena gata branca angorá bonitinha e bem educada, e inteligente, era uma história já não mais de gata, mas a história de uma mulher recalcada de mágoas por amores e paixões, cheia de infortúnios, nada parecida com novelas de finais felizes, mas sim com a dura realidade romanesca das histórias que realmente representam a vida como ela é.
Passa a inventar coisas para preencher o vazio, como começar a tentar a latir, coisas que gatos não fazem. Encara até a água para poder se livrar de todos os fantasmas que configuram o seu medo. Começa a realizar atividades as quais ela considerava incapaz de fazer.
E a vida se preenche. E a vida segue. E a vida se faz.
Um dia a gata resolve se envolver com um cão. Afinal, ela já aprendera a latir. Diversão. A vida urge ser preenchida com essas atividades de relacionamentos também.
A vida vai correndo, um belo dia o cão a devora e o coração da pobre gata se desfaz em meio a um asfalto duro. Cassandra, esse era o nome da gata, perde-se. Ela já estava madura de outras desventuras amorosas, por que é que agora que já tinha a vida tão preenchida de coisas interessantes, deixara-se se envolver com um cão? Ela não podia acreditar em si própria.
Sossega, chora, senta, deita, levanta, vai até a varanda, se espreguiça, estica suas patinhas e deixa saltarem-se dos dedinhos todas as suas unhas com um ronronar espreguiçado e aliviante: foi triste de novo, mas a vida continua.
E lembra-se de continuar a preencher o não mais vazio da vida e prossegue a encarar mais uma nova aventura romanesca, pois a vida urge ser preenchida com essas atividades de relacionamentos.