quarta-feira, 27 de junho de 2012

Clarice e Horácio

É um pequeno relato de como Clarice, de forma idiota, deixou-se apaixonar. Não pretendo relatar a história de como se conheceram, as origens, as coisas gentis, mas como ela percebe sua paixão, como confessou e como descobriu que não era correspondida.

Sentiu falta de Horácio pela primeira vez enquanto estava em casa, a exercer alguma espécie de trabalho ou ócio no seu computador. Nesse ínterim, Horácio aparecera onlinemente e começou a emanar citações de poetas como Shakespeare, e pensadores como Aristóteles. Conversa vai, conversa vem, o papo flui agradavelmente e ele ajuda Clarice a trabalhar com menos tédio, entretendo-se em uma troca agradável de mensagens.

Diante deste cenário é importante esclarecer que Clarice e Horácio já se conheciam de outras datas, de outras circunstâncias, as mais bizarras possíveis, as quais não valem a pena serem narradas.

Deixando-se encantar, e por que não se seduzir por um sonho, digo sonho porque tratava-se de uma ideia não presente no campo da razão, mas oriunda dos ensejos do desejo, começou a construir uma catedral de sentimentos com relação a Horácio. E a partir daí, a coisa mais tosca que ele dissesse parecia sair da boca de Virgílio. E Clarice começou a se portar emocionalmente tão frenética quanto Oscar Wilde diante da grande Atriz Sarah Bernhardt, quando esta chegava a Londres e aquele se derramava descompassadamente à presença da atriz dizendo estar vislumbrado de paixão.

Ela chegou a acreditar que estava a amá-lo. Imagine, Clarice a amar Horácio!

E sim, Clarice comparou-se a Oscar Wilde, e depois de conquistado o contato físico extra amizade, aquele contato que muitos amigos têm e ao qual lhe dão o eufêmico apelido "amizade colorida", certificou-se de que havia gostado do evento e de que daria continuidade à sua história de amor.

E mais, Clarice dividiu o tolo sentimento com alguns raros amigos que também conheciam Horácio. E sincera como era uma amiga de Clarice, Hérmia disse-lhe que obviamente amor ali, se houvesse, seria somente o de irmãos. Nitidamente! Notoriamente! Mas Clarice mesmo assim insistiu em seu conto frustrado de amor, deixando-se acreditar na ideia de que Horácio simplesmente não tinha coragem de se declarar.

Dias se passam, é chegada uma noite, mais uma em que Horácio pede dicas onlinemente a Clarice de como se desvencilhar de mais uma de suas façanhas amorosas fugazes. Atitude esta que evidencia o caráter de amizade da relação. Nesta noite, Clarice já havia ponderado há quanto tempo estava a investir em uma história que não apresentava resultados, tão pouco sessão de semeadura para colheita futura. Resolve então, Clarice, dar voz à razão: ele gosta de você, amiga. E como lhe doeu crer no óbvio - era o que era: somente amiga. Além de amiga, amiga conselheira, amiga que arranja amigas. Unicamente amiga.

Respirou fundo e aceitou o convencimento. As dores que lhe valeram essa paixão não afetaram sua vida prática. Interferiram somente nas horas poucas de ócio, horas estas que eram tomadas de uma tristeza indômita que lhe bania o coração de dentro de si, fazendo oco nas entranhas e gritando em choro mudo a dor mais amarga e vil de um amor não correspondido. E como chorou doído, desabrido, sofrido, e deixou-se pensar no fúnebre e no acaso de nunca mais voltar a amar.

Voltemos para a noite do convencimento do "unicamente amiga". Clarice sente o seu peito em estado de fora do comum, mas nada que não seja domável. Já não chora e nem vê nisso uma situação que peça tal ato. Nem sai à procura de substituto. Muito menos começa a comer desenfreadamente ou a fumar um cigarro a mais. Clarice respira, lê, pensa, e escreve a Horácio o quanto o sentimento "gostar" lhe faz ficar confusa. Não saber se "gostar" é bom ou ruim. E Clarice não se declara. Julga toda a situação tomando uma interpretação julgada inteligente por si diante dos fatos, não crê que seja necessário declarar-se para passar o escárnio da amante não amada. Não. Clarice não se declarou. Apenas manifestou que gostava. Ela julgou melhor não se declarar.

E assim terminou a paixão a um de Clarice por Horácio, que durou a estação de 2 meses entre outono e inverno, uma noite de manifestação física de afeto e várias horas de tortura feminina desbaratadas.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Neblina

Neblina. Algo com que pouco e muito convivo. Símbolo de calmaria, embaçamento da visão, perigo de vida. Vivo o perigo. Entro na neblina. Afogo-me no meu sono duradouro causado pela constante insônia. Não durmo mesmo quando durmo. E nesse não dormir constante procuro a tranquilidade de descobrir aquilo que minha inteligência negligencia alcançar. De tanto intentar uma forma inteligente de pensar, vem o sono às vezes em hora certa. Mas não é o sono o problema, e sim o como saber fazer-se aquietar o espírito. Em tédio de não descobertas, penso na neblina física em que mergulho meu corpo físico. O que vejo é somente o que me mostra quão insignificante sou na condição de ser humano: apenas dez metros adiante. E penso na ganância de meu querer saber, uma vontade ingênua de querer identificar o porquê de estar exatamente aqui ou ali. Respiro embora não perceba. Ao perceber que respiro, percebo uma vida em sistema. Neblina. Do perigo e do baço busco, pois, a forma bela. Embora continue neblina.   

terça-feira, 12 de junho de 2012

A Hidra de Lerna

     Ela, só, nem amazonas era, tinha como dever matar a Hidra de Lerna que morava dentro de sua psiquê. Aos poucos foi vencendo cabeça por cabeça.
     A Hidra de Lerna tem 7 cabeças venenosas, uma delas é imortal. Assim, a mocinha de nossa história tinha como dever ir pondo fim às vidas destas cabeças que o tempo todo faziam vazar um veneno dentro de si.
     Quando deu cabo da primeira cabeça, estava em idade de menina muito jovem. Foi numa tarde de junho qualquer, tomou coragem e com um beijo desmistificou alguns segredos que aquela cabeça trazia a respeito da vida. Ela havia mostrado à Hidra que beijar pecado não era, e o fez. A cabeça, transtornada com a ousadia da garota, caiu no chão e soltou um vapor verde oliva que fedia enxofre. O Vapor fez com que nossa mocinha se apaixonasse em vão, mas como nossa mocinha sabia fazer bom uso de sua astúcia, verificou que tal paixão era fruto do veneno mortífero da cabeça número um da Hidra.
     O caso da segunda cabeça ocorreu de modo inusitado. Nossa mocinha estava há dois meses tentando conhecer as verdades do mundo relacionando sexo e amor. E o fez. E gostou. Como da primeira vez, ao tombar a segunda cabeça, novamente surgiu aquele vapor verde oliva que cheirava enxofre. Nossa mocinha assim, deixou-se tomar por um sentimento de culpa que começou a transtorná-la: havia pecado gravemente! Então nossa mocinha muito ponderou, reencontrou seu espírito aquietando-o e, enfim, viu que aquilo fazia parte do curso natural da vida, e que não havia pecado, apenas dado mais um passo adiante.
     Num dia qualquer, fez tombar a terceira cabeça. Foi em um episódio em que afrontara seu patrão que a explorava. Afrontou-o e não teve medo das consequências, sabia que estava certa e que não deveria subjugar-se ao seu poder. Repete-se o evento. Repetem-se as dores emocionais, e a mocinha põe-se a chorar desempregada, crendo ter feito algo inadmissível. Passadas algumas semanas, tudo está arranjado novamente, pois aos astutos nunca falta trabalho, e percebe que sua culpa infundada era oriunda mais uma vez do vapor de enxofre da terceira cabeça caída.
     E seguem-se os históricos das outras três cabeças derrotadas: a quarta com o grito de independência, indo morar longe de casa, a quinta com o primeiro porre, a sexta com o primeiro casamento.
     Anos e anos se passaram... nossa mocinha já se encontra senhora, na casa dos 30, 40, talvez já 80 anos. Uma anciã. Sábia senhora a tentar fazer entender que uma cabeça sempre restará imortal, a envenenar frequentemente o "eu". Sua cabeça solta constantemente um vapor ainda mais verde, ainda mais fétido de enxofre. Quando se acorda, está ali para desejar "mau dia". E acompanha o "eu" infinitamente, estando acordado ou dormindo. Como vencê-la? Trapaceando-a, talvez, imaginando como nossa mocinha se livrou das outras seis cabeças.
     Livrar-se da sétima cabeça é deveras uma utopia.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Odette descobre a fecundação

     Foi em certo dia errado que talvez deu na ideia do mundo conceber a vida feminina Odette. Dizem em algumas plagas do além do nosso parvo conhecimento que há dias em que Vênus come metaforicamente a Lua exercendo sobre a Terra raios desenfreados de hormônios femininos. Foi num dia como este que o mundo uniu forças para juntar forças diferentes que visavam fecundar o ser Odette. E Odette foi concebida, logo e em tempo hábil, vindo ao mundo como mulher.
     Quando criança acreditava pouco nas fantasias que lhe eram narradas. Não entendia como era filha de sua mãe e de seu pai. Em sua cabeça não se podia formar a imagem de dois seres diferentes, de sexos diferentes, gerar uma terceira vida que possuísse apenas um sexo. Aquilo ficara por muitos e muitos anos em sua cabeça. Metade de sua vida. Aos 10, ela já pensava ter passado sua vida completa se sentindo incapaz de desvendar tal problema. Não podia perguntar às suas amigas porque diziam-lhe que nesta ideia de como viemos ao mundo, querer desvendar tal segredo era cobrir-se por demasiado do mais vil pecado do monstro mais imbuído de demônios que se pode imaginar. Era em sua casa que lhe metiam estas ideias do mundo infernal na cabeça, sendo assim, também não podia, em própria casa, perguntar o que quer que fosse sobre a origem da vida.
     Era uma tarde de sol de um sábado qualquer da infância de Odette, ela devia ter algo entre 11 e 12 anos. A menina, deitada na relva, começou a perceber seu corpo em contato com a ponta de cada fio de grama. A petite mademoiselle deixou-se cair no deleite de sensação tão prazerosa e tão fácil de ser conquistada. Sentia entrepassar a renda de seu vestido cada espeto fálico da grama. O que sentia era um fio de corrente de sopro de ar tão difícil de descrever! Apenas sentia aquilo que a subia pela região logo acima de suas nádegas, espalhava-se de forma floral pelas costas e explodia na região da nuca, resultando em que todos os pelos minúsculos de seu corpo se arrepiassem como se quisessem fugir do fervido de calor do pequeno e feminino delicado ser.
     Odette não descobrira o mistério da vida, mas acabara de encontrar um jeito fácil de dar prazer a si própria.
     Passando o evento das gramas pontudas, outra coisa marcaria a vida de Odette: o dia em que pode presenciar sua mãe e a criada mexilhando uma na outra. A cena a que assistira havia se passado no quarto de sua mãe, um ambiente claro, bem iluminado e bem arejado, em tom de gelo, com cortinas beges bordadas com florezinhas douradas e azuis. As cortinas eram de uma leveza cândida e voavam quase livres com o vento que vinha do quintal e invadia o quarto onde se tocavam as excitadas amantes. A criada estava completamente nua e a mãe de Odette a beijava na vulva como quem chupa deliciosamente a mais doce e madura manga. Odette passava pelo corredor do quarto de sua mãe em hora inoportuna. Era para estar a receber lições de inglês, mas o professor mandara avisar que havia ficado muito doente das pernas e que por conta disso resolvera ficar em casa à espera de um médico que lhe pudesse receitar algo para melhorar. Odette esperava seu professor em sua sala de estudos, quando um rapaz chegou junto ao portão de sua casa para lhe trazer o recado sobre as pernas doentes de seu preceptor. Preocupada, Odette que teria duas horas seguidas de aula foi correndo procurar sua mãe para lhe informar a notícia. Como não a encontrara na sala de leitura, deduziu que talvez tivesse ido para o quarto. Enfim, chegamos à cena já conhecida: o beijo incandescente que sua mãe dava na vulva de sua criada. A mãe de Odette ainda estava vestida. A criada parecia, ora se sentir no mais puro momento de satisfação, ora mergulhada numa calma esplendente, que fazia parecer a quem estava de fora do contato físico do casal de amantes, uma calma de quem já estava habituada a receber os dados beijos.
     Odette fica quieta, não se manifesta, apenas permanece assistindo. A mãe da garota pausa os beijos e começa a correr a língua pela barriga da criada. Vai subindo até chegar na região dos mamilos. Com uma das mãos agrada um peito. Ao outro peito oferece beijos que não são beijos, são entrega à paixão carnal da mais linda espécie imaginável entre a humanidade. E as duas amantes eram de uma beleza singular. Corpos não perfeitos, mas nem gordos e nem magros. Peitos nem grandes nem pequenos. Suas cores eram de um leite roseado muito parecidos. Quando a mãe de Odette entrelaçou um de seus braços ao pescoço da criada e foi lhe beijar os lábios, os corpos se igualaram em posição formando uma escultura que fez reverberar na jovem menina que ali estava a ver tudo, a mesma sensação que sentia toda vez em que se deitava na grama a sentir as pontas fálicas e verdes a lhe cutucar coxas, nádegas e costas.
     Uma sensação.
     Uma lembrança.
   Naquele instante os olhos de Odette se encheram de lágrimas e um sentimento ébrio de um quê de felicidade tomou conta de sua cabecinha de aprendiz de ser humano: naquele momento descobriu por que somente as mulheres ficavam grávidas e tão mais juntas de seus filhos. Era por que somente mulheres podiam gerar, pois eram duas mulheres juntas que davam origem a uma terceira vida.